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Quem irá garimpar as memórias?

Jéssica Cardoso
Alex Arbarotti

Vamos direto ao fato. Imagine que você saia de casa – quando saímos de casa não levamos junto da gente tudo que julgamos importante, alias, coisas importantes são bem guardadas em nossas casas. Eis então que você fica sabendo que, por sorte, foi salvo ou salva de uma tsunami de minério. A sua casa não existe mais, não há mais para onde ir, mas a sua vida foi salva.

Mas do que é mesmo feita a vida? A vida é feita de memórias. E as memórias são responsáveis para formular nosso ser, nossa subjetividade. As memórias, no entanto, não são somente algo abstrato que povoa nossas mentes. Ela se manifesta fisicamente nos espaços, nos objetos e na relação com as pessoas.

Imagine que quando você chega na casa dos seus avós e a lembrança deles e de quando você era criança vem a mente. É possível ouvir as vozes, sentir cheiros. Imagine que no fundo de uma gaveta está guardado o terço que sua vó rezou a vida inteira, e quando você, mesmo sendo ateu, pega no terço é como pegar na mão doce e enrugada que não mais existe.

Imagine agora quantas memórias existem na sua casa e imagine que você nunca mais veria esses objetos: a primeira carta de amor recebida, a foto com seus amigos na adolescência, o livro autografado de um autor que adora, o primeiro sapato do seu filho, o isqueiro do seu avô, o rascunho de uma ideia, as últimas gotas de um perfume que adora, a velha camiseta boa para dormir, a única foto da sua mãe, o caderno assinado por seus amigos da quarta série… Tudo isso não está mais lá para você tocar e lembrar do que foi, do que é e do que pode ser.

Imagine quantas memórias existem naquele lugar, naquela vizinhança rodeada de famílias, amigos e cumpadres, pessoas que estão em sua memória pelos momentos vividos e imagine que, em segundos, um mar de lama de “riqueza” cubra elementos que são essenciais para a lembrança. E onde era sua casa, onde era a casa de seus avós, onde era pasto, onde era o rio da sua infância, tornam-se escombros no meio da lama de minério. Um lugar escuro, sem vida, sem memória, sem história.

Não há mais casa. Não há mais pessoas. Você para, olha para aquele lugar e não o reconhece. Olha para você e não se reconhece.

O que faz falta não é a tv cara de led, o computador, a geladeira, mas a medalhinha de Nossa Senhora ganhada da madrinha no batizado. Não que todas os bens materiais não são importantes, pois estes, todos esperamos que devam ser ressarcidos pela imprudência e displicência da empresa SAMARCO\VALE que, por ganância de retirar minério da terra, cobriu de minério pessoas e memórias. Agora, debaixo de minérios há pessoas, historias, memórias, e a pergunta que surge é: quem irá garimpar o que o minério encobriu? A medalhinha ganhada da madrinha será buscada feito ouro? A quantos quilômetros a madrinha será encontrada?

mariana

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