Antropólogos, filósofos e sociólogos face às mudanças climáticas
Por Mariana Bombo Perozzi Gameiro
Na última quinta e sexta-feira, 05 e 06 de novembro, o Collège de France, em Paris, reuniu cientistas e acadêmicos para um colóquio internacional intitulado “Como pensar o antropoceno? Antropólogos, filósofos e sociólogos face às mudanças climáticas”. Coordenado por Philippe Descola, professor do Collège de France, e por Catherine Larrère, professora emérita da Universidade Paris I – Panthéon-Sorbonne e presidente da Fundação de Ecologia Política, o colóquio visava confrontar diferentes perspectivas daqueles que estudam as relações entre as sociedades humanas, suas diversidades e seus ambientes. A iniciativa se insere num contexto de discussões e mobilizações que antecedem a COP21, Conferência das Partes sobre o Clima, a qual terá inicio no fim deste mês, em Paris.
Embora o termo “antropoceno” tenha sido bastante utilizado durante as apresentações, dando título ao evento e a diversas das conferências, sua validade cientifica e prática não representa um consenso. De modo simplificado, o antropoceno designaria uma nova era geológica, marcada pelo peso das atividades humanas sobre os fenômenos geofísicos. Uma das perguntas que se coloca é em que medida essa concepção acentua a responsabilidade de determinados grupos ou atores sociais no processo de degradação do planeta e, contrariamente, em qual medida ela dilui essa responsabilidade ao expandir para a “humanidade” a interferência sobre o Sistema Terra.
A emergência do termo é geralmente atrelada a um artigo publicado em 2000 pelo químico Paul Crutzen e pelo biólogo Eugene Stoermer, que pontuavam que a explosão da população humana, a demanda por água, a destruição dos habitats naturais e a dramática perda de espécies evidenciavam o papel central da humanidade como uma força capaz de afetar a geologia e a ecologia da Terra. O termo aglutina o grego “anthropos”, humano, ao sufixo “cene’” que significa novo ou recente, indicando o fim da era que vivemos, o holoceno (do grego “’holo”, todo). Uma das palestras do evento reivindicava, porém, que idéias similares já teriam sido lançadas na década de 1920, no próprio Collège de France.
Nas ciências sociais, tal inovação semântica teria ganhado espaço após 2010, com a crise de dois paradigmas teóricos precedentes: o do “risco” e o dos “limites”. Ambos estão presentes em diferentes correntes sociológicas e filosóficas, o primeiro salientando que a irrupção da natureza no mundo social afeta a capacidade de decisão política dos agentes, suas racionalidades, e o segundo destacando os aspectos materiais da crise ecológica. A coexistência de múltiplas abordagens e as possibilidades abertas no seio do pensamento social refletiriam, contudo, a persistente fragilidade epistemológica da idéia de natureza nos saberes modernos.
No evento, as discussões giraram em torno de aspectos como os povos, tempos e territórios do antropoceno, governança e políticas climáticas, justiça e solidariedade ecológicas, além de discussões cruzadas sobre capitalismo, ciência, política, filosofia e a moralidade da questão ambiental.
Bruno Latour, na plenária de encerramento do colóquio, propôs a substituição do conceito de antropoceno pelo que ele chamou de “Novo Regime Climático”. Para o reconhecido estudioso de Antropologia da Ciência, as vantagens deste termo seriam a de manter a noção de que se trata de algo novo, marcando uma divisão histórica; ressaltar, com a palavra “regime” a dimensão material, econômica, política, jurídica e social da questão; e associa-la à um problema de governos e governantes. Isso possibilitaria um tratamento geopolítico da questão climática, independente de um consenso na área da Estratigrafia (ramo da Geologia responsável por convencionar cientificamente as eras geológicas, cujo Comitê Internacional se reunirá em 2016 num congresso que debaterá, entre outros, a possibilidade de adoção oficial do termo antropoceno). Na plateia, a recepção à proposta de Latour também não foi unanime.
O debate segue aberto, revelando a importância do encontro entre a história dos povos e a história da natureza. Se a procura por um acordo comum entre as nações torna necessária a definição de um interesse geral, sobre quais bases políticas e cientificas pensar uma tal “unidade da humanidade”? O que significa isso, diante da diversidade antropológica das nossas sociedades?
O resumo das apresentações do colóquio pode ser encontrado neste link.